Os sem terra

on quinta-feira, 25 de junho de 2009

Notem senhores o que acontece quando uma brincadeira das mais inocentes possíveis pode terminar como um grande mal entendido e este chegar a virar caso de polícia.
Aconteceu na Avenida Terezinha Pereira, mas antes de contar o caso, quero explicar os pormenores do ambiente em que este ocorreu, para que o leitor de todas as partes tenha uma visão clara da região, assim como os nativos de nossa cidade. Esta rua é composta por casas de um só lado da rua, o lado da sombra, o outro lado, o lado do sol, é inviável a construção de qualquer tipo de imóvel, já que se trata de uma várzea de aproximadamente 10 a 20 metros de largura enquanto seu comprimento segue toda a extensão dos cercos onde se acumula água salgada para os “baldes” de salinas e antes do cerco ainda existe uma levada que serve de afogador para os próprios “baldes” e a cidade. Além de o solo ser muito salgado por se tratar de lama onde em épocas passadas era tudo manguezal, se perfurar 20 cm neste solo, terá água salobra, outro detalhe é que em apenas um trecho da várzea chega à largura máxima citada acima, os outros vai diminuindo de maneira que em alguns lugares esta largura não chega a dois metros. Para completar a inviabilidade de construção, em alguns trechos da várzea ainda está alagada com água salgada, sem falar que quando chove alaga toda a vargem, transformando num verdadeiro lamaçal.
O caso foi que meu vizinho num certo domingo, com outros três amigos, num desses finais de semana prolongado de muita bebida e churrasco, resolveu fazer uma barraca em frente a sua casa para por a churrasqueira, como não podia fazer a barraca no meio da rua, claro, fez em frente a sua casa, porém na vargem, junto a um poste ali em frente. Três buracos, três estacas, quatro varas como se fosse os caibos, barbante e cordão de rede, algumas palhas ainda verde de coqueiro e pronto a barraca estava pronta.
A churrasqueira estava assando as preciosas costelinhas e alguns espetinhos feitos de lingüiça enquanto os quatro ali ao redor da churrasqueira e embaixo da barraca batiam um papo quando passa um senhor de bicicleta:
- E o que é? já tão fazendo casa na vargem?
Meu vizinho ironizou e respondeu na forma de brincadeira:
- jaaa, o prefeito liberou, quem quiser pegar um pedaço de terra é só marcar.
- Ah é? Ta certo!
O senhor de meia idade passou, olhando para trás e para a vargem, enquanto eles continuaram ali com o churrasco sem dar a mínima importância para a brincadeira. Ficaram até ao meio dia, terminado o churrasco meu vizinho foi descansar, pois no dia seguinte iria trabalhar bem cedo. Às quatro horas da tarde ainda do domingo meu vizinho levanta-se e sai pra ver como está à rua, como todos nós fazemos quando estamos em casa, nisso ele toma um susto, a vargem estava tomada por gente, ele sem saber do que se tratava, foi logo perguntando:
- O que é que esta acontecendo aí, em?
- Foi o prefeito que liberou a vargem, ele disse que quem pegar um pedaço de terra a prefeitura vai doar o material da casa.
Meu vizinho lembrou da barraca e da brincadeira dita ao senhor e não comentou mais nada, entrou pra dentro de casa e fechou a porta.
Na segunda feira bem cedo, a várzea estava tomada por paus, busca de coco, catemba, tonel velho, resto de concreto, resto de tijolos, sacos amarrados nas pontas das varas, enfim, a várzea de um dia para o outro, virou um verdadeiro lixão.
Todos os terrenos estavam sendo medidos a olho, aliás, a passadas, sete passos, 6 metros.
Aqui bem próximo de casa estavam dois sem terras medindo seus respectivos lotes:
- Viche, miudim os passos dele, meça o meu pedaço também!
Um pouco a frente estava outros:
- Ei você ai, só pode pegar 6 metros.
- Cê besta, esse é da minha irmã.
- Ah é assim, então vou pegar o da minha tia!
E lá ia medir outro lote.
- Ei esse pedaço ai não menino, esse pedaço aí é meu.
- Então marque, ora!
- Marco já, já. Estou esperando uma carroça de varas que mandei o menino tirar lá na Serra.
Em frente à casa de Zé Wilson estava um cidadão que mais parecia um guarda de transito, em pé, no meio da vargem.
- Esta fazendo o que aí seu Noel, feito uma estátua? Alguém perguntou.
- Pastorando meu pedaço enquanto os meninos vêm com uns galhos de mangue para marca esse lote.
Vejam só, até o mangue saiu prejudicado com essa brincadeira.
Enquanto isso um senhor que tinha pegado um pedaço ali em frente ao bar do Canindé, não perdeu tempo, após cercá-lo com alguns pedaços de tocos e restos de arames farpados muito enferrujados, colocou uma placa de papelão com o anuncio feito à giz:
VENDE–SE ESTE TERRENO.
Já em outro lugar estava uma senhora danada, parecia um “ciri numa lata”, reclamando das pessoas que estavam tirando as varas da sua cerca para levarem para a vargem:
- É só o que esta faltando mesmo, esses desocupados estão acabando com minha cerca, vou já é da parte!
As pessoas já começavam a se reunir para escolherem um representante para ir falar com o prefeito sobre os materiais da construção.
- E aí, quem é que vai avisar o prefeito que já esta tudo dividido?
- Sei não, mas ouvir dizer que ele vai fazer as casas em forma de mutirão!
- É mesmo é. Talvez ele deva começar lá pelo início da vargem!
Em outra parte dois senhores já estavam discutindo sobre seus respectivos projetos:
- Hei, quando é que vai começar a chegar a areia pra fazer o piso? Na minha só quero se for areia da boa, menino aqui vai levar areia, viu! Quando chegar à minha vez vou fazer-la bem alta, vou fazer com 14 fiadas de tijolos, quero nem saber!
- Assim que levantar a minha casa vou logo plantar dois pé de planta pra fazer sombra, qual é a planta que se pode plantar nesse terreno, em?
- Rapaz que eu saiba, aqui só dar mangue mesmo!
- Algaroba também da.
- Ah é.
Um senhor que pegou um lote nas mediações da Ticaca, aparentemente estava com um problema, mas já encontrara a solução.
- Viche, se começar lá pela rua de baixo vai demorar muito pra chegar na minha, acho que vou falar com o prefeito pra mim dar uma ordem do material que eu mesmo pego lá em Jorge e construo a minha.
Na segunda feira à tarde todo mundo estava animado falando de seus projetos quando chega o dono do terreno acompanhado do delegado da cidade com uma ordem, só que uma ordem de despejo:
- Todo mundo, prestem atenção; quem marcou esses terrenos façam o favor de agora mesmo tirarem os entulhos, um por um, e eu quero saber também quem inventou essa história que o prefeito autorizou a posse da vargem que eu quero dar-lhe um “chá” de cadeia no maldito!
Todos de cabeça baixa em silencio foram, um a um, tirando seus respectivos entulhos. Quanto a barraca, que permanecia intocável, o delegado questionou em voz alta:
- E essa barraca? Quem construiu essa barraca?
Meu vizinho que até então em silêncio prestava atenção ao desenrolar de todo processo de posse e desaposse respondeu com muita segurança e convicção;
- Não faço a menor idéia!
Então o delegado decretou:
- Derrubem essa barraca e ponha os destroços na caçamba pra ir pro lixão.
Meu vizinho após bater palmas disse para o delegado:
- Muito bem, é assim que se faz.
Na retirada do lixo da vargem, todos estavam indignados com aquela situação e entre os questionamentos e explicações o que mais se ouvia dos ex-proprietários das terras, era:
- Ah se eu pego o infeliz que inventou essa palhaçada!

Prof. Ronaldo Josino

Moda Nacional

on segunda-feira, 22 de junho de 2009

O ano de 2006 para os brasileiros foi considerado o ano das CPI’s, atrevo-me a concluir isto devido ao grande número de CPI’s criadas neste ano, foi CPI dos correios, CPI dos bingos, CPI do mensalão, CPI das ambulâncias, também conhecida por CPI das sanguessugas, CPI do dossiê do caseiro e até CPI do cuecão, enfim, CPI pra todos os gostos e desgostos de muita gente, vai gostar assim de CPI lá no... Em Brasília.
Uma coisa é certa, em todas as CPI’s feitas por nossos deputados e senadores, quase nunca encontramos os verdadeiros culpados, não se sabe se é porque os acusados são escorregadiços, não existem ou se é por que alguns deles fazem parte da mesa de investigação, cá entre nós, apostaria na terceira opção.
Bom, pra não ficar de fora dessa, digamos, mania nacional, os vereadores de minha pequena cidade, Grossos, com mais ou menos 10 mil habitantes, resolveram não deixar barato, como não são brasilienses e não queriam invejar os parlamentares lá em Brasília, decidiram não criar uma CPI e sim, uma CEI – Comissão Especial de Investigação.
Baseando-se em possíveis desvios de verbas do então prefeito, nossos vereadores queriam por que queriam afastá-lo do cargo. As sessões eram feitas as terças na câmara e logo que o povo tomou conhecimento, já que era moda, a câmara que poucas vezes viu gente, lotou. Era gente pra todos os lados, em pé, sentada, de colo, apoiada com o pé na parede, gente no ombro de gente, de cócoras, de ponta de pé, enfim, era tanta gente que os mais atrasados tiveram que se contentar lá fora, pois dentro não cabia mais ninguém. Quando acontecia alguma novidade, tipo uma polêmica, gerando assim uma discussão entre os vereadores, imediatamente saia um ou outro da câmara, eufórico, quase gritando pra quem estava lá fora:
- O homem vai sair! O homem vai sair! Neste caso, insinuando que o prefeito perderia o mandato.
Logo um do contra a CEI rebatia:
-- Vai sim! Vai sim! Ele não vai morar aí dentro.
Todos riam, o informante saía meio sem graça, enquanto as atenções se voltavam para a câmara. O ruim pra quem saía da câmara pra dar alguma notícia era que voltar, jamais, pois seu lugar era logo tomado por outro.
Na primeira sessão houve um pouco de tudo, vereadores brigando quase aos murros com vereadores, gente gritando contra, gente de modo tímido torcendo a favor, gente chorando com medo de o prefeito perder o mandato, pois se assim acontecesse, ela também perderia o emprego, vereadora acoimada de bêbada, vereador acusado de ser uma hora o anjo de Deus e outra o príncipe das trevas, vereador acusado de colocar água no leite que vendia, vereador (a) acusado (a) de só estarem ali pelo fato do prefeito ter se recusado de não pagar propina para ficarem do lado dele, gente passando o dedo na cara de vereadora, vereadora fazendo sinal com a mão, mandando o povo se f..., enfim, entre dito e não dito, feito e não feito e nada resolvido, terminou a sessão com todos vivos e com boas perspectivas para a próxima sessão.
Na segunda sessão a coisa foi deferente, os vereadores pediram reforço às autoridades da cidade vizinha para conter a multidão e sem mais espaçar a história, chegaram para proteger a câmara de um possível linchamento ou um ataque terrorista mais de quarenta soldados, todos armados e protegidos por coletes pretos e escudos de vidros a prova de balas, além dos bastões de cor preta em punho, se Hosana Bim Ladem tivesse sabido disso, com certeza teria mandado um de seus homens bomba, só para testar a força e a arrogância ameaçadora desses soldados.
Estes logo, com uma corda de náilon azul, fizeram um cordão de isolamento em volta da entrada da “casa do povo”, para que o povo não entrasse, pense num contraste! Quem se aventurasse a ultrapassar a corda, sova nele. Graças a Deus, ninguém quis se aventurar, também, o povo nunca tinha visto aquilo antes, quando viu, todo mundo ficou assombrado, parecia cena de filme de guerra, se Steven Spielberg tivesse visto, teria ficado hidrófobo de tanta inveja ou no mínimo, gravado as imagens para fazer um futuro filme, imagino até o nome; “Terror em New Grossos”, pense no sucesso! Bateria o recorde de bilheteria, pelo menos por aqui tenho certeza que sim.
A sessão transcorria bem lá dentro, pois só havia os vereadores, o povo que estava todo contido na parte de fora por livre e espontânea pressão, aplaudia quando viam os vereadores que eram do contra a CEI passarem pela porta de vidro e, com a mesma intensidade, vaiavam os que eram a favor, inclusive os soldados, todos sérios, fazendo jus à farda, também não escapavam das vaias, até sabugos de milho verde jogaram nos coitados, que permaneciam lá, em pé, como se fossem estátuas de bronze com suas roupas plúmbeas inconfundíveis.
Não vou aqui encher sua paciência com detalhes de outras sessões, pois entre um fato isolado ou outro, paciente leitor, nada há de especial ou diferente das demais CPI’s que nossos seletos representantes inventam de fazer no nosso país, contudo, se há alguma coisa de dessemelhante das demais, deve ser o fato que nesta em particular, em vez do povo ser a favor, era contra a CEI.
E o fim desta historíola é aquele que vocês já estão cansados de saber, a CEI terminou em pizza, a CEI encerrou seus trabalhos por falta de coro, isto é, o que era insinuações dos vereadores, terminou como sendo mentira e a imagem de ineficiência dos vereadores terminou como sendo verdade, ou seja, o prefeito continua sendo o prefeito e os vereadores continuam sendo eles mesmos, sempre comandados pelo borós.
Assim é a maioria das CPI’s feitas nesse nosso Brasil, tão grande, tão rico, mas tão explorado por homens com visões subjetivas, não dando espaço para este país – que desde seu descobrimento, vem sendo vítima dessas pragas – crescer. Mas não desanimemos, cresceremos assim mesmo, mesmo que seja um passinho de quatro em quatro anos, porém o mais importante disso tudo não é o tamanho do passo, e sim, que este passo ou passinho, não seja dado para trás.

Prof. Ronaldo Josino

Reliquia

on terça-feira, 16 de junho de 2009

Não tinha pista, era um tal de carago, depois virou estrada de areia vermelha, o que já era um grande avanço, porque um pouco antes do carago, era só areia, areia de atolar qualquer carro, menos o jipe que concorria a preferência popular com a velha rural. Juntos eram o principal meio de transporte, no caso do jipe este era famoso por ter tração nas quatro rodas, aliás, juntos eles eram os principais veículos da época, porque o principal meio de transporte nesta época, era mesmo a boa e velha mula, mas voltando a questão, esta era minha cidade, Grossos, por volta do ano de 1970.

Nessa época, a igreja católica tinha uma calçada que atravessava quase toda a rua principal, o espaço trafegável era apenas o lado junto ao correio, onde no ano de 1977, o glorioso Raimundo Pereira, prefeito deste ano, mandou cortá-la ao meio para fazer a estrada de areia vermelha e um ano depois, em meados de 1978 mandou passar o asfalto, criando assim, a mão dupla, o que é hoje, antes nessa parte da cidade, devido à calçada, só havia um lado da rua.

O prefeito do ano de 1970, já passou para o outro plano, era o saudoso José Fausto de Souza, onde tinha acabado de tomar posse, este governou Grossos somente por três anos devido às eleições gerais, após seu mandato, tomou conta da farmácia de seu pai, esta ficava em frente a onde hoje é o Marco Zero, nesse ano televisão era um “bicho” raro, só havia lá pras bandas de Mossoró, o principal e único meio de informação e lazer era o rádio, tão popular como televisão é hoje. E foi Francisco Alfredo, mais conhecido por Chico Alfredo, a primeira pessoa que trouxe esse fascinante aparelho para Grossos. Conta-se que nessa, digamos, inauguração a modernidade tecnológica e, como se tratava de uma comunidade pequena, ou seja, ainda em formação, todo mundo ficou sabendo que Chico Alfredo tinha ido a Mossoró comprar esse aparelho, ora, teve gente que foi esperar ele passar na ponta da rua, isto é, na entrada de Grossos, na antiga rua da palha, hoje, Bairro São José, só pra dizer que foi o primeiro que viu, mesmo na caixa, não importava, seria o primeiro e pronto, vai se discutir com uma pessoa dessas? Só para efeito de registro, quero lembrar que nessa época, o cartão postal da entrada de Grossos, era um ponto muito negativo, isto é, o lixão da cidade. Chico Alfredo chegou pela tarde num transporte muito moderno, com cabine dupla, toda de madeira e carroceria de caminhão, coberta com ripa e lona, muito conhecido na época como misto, a essas alturas já tinham umas sessenta pessoas esperando para ver o tal “bicho” falar.

Ao chegar próximo a sua casa, teve de imediato um susto, pois não esperava aquela aglomeração toda em frente.

-- Meu Deus! Arrocha o passo motorista, parece que tão invadindo meu comércio.

O misto de Antonio Soares riscou na porta.

-- Que é que ta havendo aqui? Perguntou o dono do comércio ofegante descendo do transporte.

-- É nada não seu Chico Alfredo, só viemos ver esse negócio aí, que tão dizendo que passa as coisas.

-- Há, pois sim, tive foi um susto, pensei que tava havendo um saque na cidade.

Seu Chico foi entrando, olhou para trás:

-- Antonhe traga o aparelho pra dentro e vá chamar Chiquim pra ligar esse troço, porque eu estou muito cansado, por mim só ligaria mais tarde mas como tem muita gente querendo ver o bicho, é melhor ligar logo.

Alguns que estavam sentados pela calçada, se olharam:

-- O negócio é complicado mesmo viu, nem ele que comprou sabe ligar!

Quarenta minutos depois, chega Chiquim, a essas alturas se achando o homem mais importante da cidade:

-- Pera aí homi, saia do meio pra eu passar.

Como em todo canto tem seus babões:

-- Pense num cara inteligente, saber ligar um bicho desses, como é mesmo o nome, hein?

-- Sei lá, visão, trivão, bisão, bivão, alguma coisa assim.

Quando Chiquim começou a tirar o aparelho da caixa - lembrando que nessa época a TV já vinha com uma mesinha acoplada ao aparelho - já tinha mais de cem pessoas em frente ao comercio. De olho no manual, Chiquim vai montando aos poucos peça a peça, primeiro a antena, o cano já estava comprado, parafusa a antena no cano, levanta, parafusa o cano em um suporte chumbado na parede, puxa o fio preto, liga na televisão, liga a televisão na tomada, nessa época só tinha energia na cidade, na zona rural ainda era um sonho - e mesmo assim, não se podia falar em chuva, pois logo que chovia, faltava energia – nessas alturas Grossos já estava em peso de frente ao comércio, liga a TV, todos atentos, quase a invadir a mercearia, que nessa época, era conhecida por bodega, uns em pé na porta, outros de cócoras olhando por baixo das pernas dos que estavam em pé, os meninos nos ombros de seus respectivos pais, como a casa de Chico Alfredo era de frente pro sol – quase em frente onde é hoje o colégio municipal, inclusive quem mora lá hoje é Manel Cassopa – fazia um calor enorme.

-- Peraí Chiquin, ponha esse aparelho pra fora, na calçada, pra todos poderem ver!

A calçada de imediato ficou cercada, se alguém olhasse de longe diria até que estava havendo ali uma rinha.

-- Não, assim não, não precisa ficar em cima da TV, basta ficar embaixo da calçada que da pra todo mundo ver. Chico Alfredo, já perdendo a paciência, falou pra um garoto que, provavelmente, tinha um sonho, tocar a TV.

Liga a TV, chiii, uma chiadeira dos diabos.

Um rapaz do Bairro dos Coqueiros, um pouco distante pergunta:

-- Ta passando o que?

-- Parece que um monte de abelhinhas!

-- Pois diga, esperar esse tempo todinho pra ver um bocado de abelha, se soubesse que era assim, tinha ido logo pra serra, lá tem e tem uma coisa, é das grandes.

Lá, junto a TV, ta Chiquim, com a camisa pregada no corpo de tanto suar.

-- Alguém, vá lá onde ta o cano e gire, aponte a antena pra Areia Branca!

Dois garotos correram para o beco, onde ficava o cano da antena, quase se abufelando:

-- Eu giro. Eu giro.

-- Não, eu giro, pode vocês não saberem. Um senhor tomou a vez.

-- Aaaah, quem é que não sabe girar um cano? Um rapaz reclamou indignado.

-- Viraram para Areia Branca? Chiquim perguntou aos gritos.

-- Já, ta bom? O senhor respondeu com o mesmo tom.

A televisão continuava com o chiii.

-- Vire pras bandas do Caenga, pra ver.

-- Prooonto.

Chiii...

-- Vire pras bandas de Mossoró.

-- Prooonto

Chiii...

-- Vire agora pras banda do Ceará.

-- Heee...

A turba toda gritou.

Uma senhora, muito espantada com aquela zoeira toda, saiu de dentro da casa vizinha enrolada em uma toalha, devia estar tomando banho com um casal de crianças, pois os inocentes estavam ainda nus e molhados, saíram as pressas para ver o que estava acontecendo na rua.

-- Que alvoroço é esse hein?

-- É alvoroço não dona, é a tal da televisão, ta vendo não?

-- Sim, então isso é a televisão.

-- Mas a imagem é ruim assim?

-- É, mas tão dizendo que vai melhorar, falta só comprar uma peça.

-- Que peça é essa homi?

-- Um tal de Amplimatic.

A televisão estava ligada, mas além do som ser muito ruim, junto com o murmúrio da população, não se entendia nada. De repente um grupo que estava do lado direito da calçada, faz um assombro e é gente pra todo lado.

-- Que foi isso?

-- Hora que foi isso, seu Chico Alfredo, foi só uma bufa que soltaram ali.

-- Haaa, vão pro inferno, vocês lá querem assistir TV, vamos Chiquim, vamos guardar a TV.

A multidão que muito esperou e já muito decepcionada, ao retirar-se começou a vaiar e foi tanta vai que de longe se ouvia, foi apupo pra toda a história, nunca em Grossos houve tanta troça como naquele dia.

Depois desse evento, essa televisão fez muita gente feliz, foi nela que toda cidade de Grossos assistiu o Brasil ser tricampeão na Copa do México. Passados mais dois anos, precisamente em 1972, a segunda TV que chegou aqui, foi comprada pelo glorioso Raimundo Pereira, onde ele e Chico Alfredo dividiram as atenções da população na Copa de 74, depois foi a vez de Gerardo Ferreira, pai do professor Stefeson, comprar a terceira TV, daí por diante vieram outras e mais outras, hoje a TV é um aparelho tão comum, que já tem casas que tem uma em cada quarto, arrisco-me a dizer que TV hoje é mais popular que o rádio naquela época.

Ronaldo Josino

Acidente em vesperas de eleição

on segunda-feira, 15 de junho de 2009

- ai, ai, esta doendo muito.
- onde, é na cabeça?
- não, não, é nas pernas.
- hei, por favor, vamos abrir a roda, estão sufocando o rapaz!
Alguém teve uma idéia.
- vamos abanar com as camisas.
Mais que depressa uns três foram logo se despindo da camisa e na mesma rapidez abanando o rapaz que continuava a reclamar das dores nas pernas.
O rapaz estava deitado no acostamento da rua Coronel Solon, perto da igreja católica central dessa comunidade, ele tinha se chocado com um carro que ia fazer a volta para o sentido inverso, ele de moto, a moto, totalmente devastada pelo impacto, estava a poucos metros dele.
- Droga, alguém já chamou uma ambulância?
- já, ela esta vindo.
- o rapaz vai morrer e a ambulância não chega.
- acho que não vem não,vi dizer que esta por ai entregando feira.
Enquanto isso, as pessoas começavam a chegar de todas as partes, formando uma multidão de curiosos.
- o que aconteceu aí?
- um acidente com um cara que vinha de moto e esse carro!
- de quem é o carro?
- sei não.
- e a moto?
- homi, vá ali, e olhe.
Em torno da vitima, estava uma grande roda de pessoas, umas dando-lhe assistência medica; abanando, algumas com autoridade de advogados; julgando quem estava certo e errado, outras pareciam ter licença do DETRAN; fazendo a pericia, e ainda outras só comentando, o interessante disso tudo, é que todos falam ao mesmo tempo.
- o rapaz vai morrer e a ambulância não chega.
- disseram ali que estão na zona rural entregando feiras.
- que é isso, e porque entregar feira nas ambulâncias?
- pra ninguém desconfiar.
- ah, entendi..
Imediatamente chega outro e entra na conversa.
- e como você sabe, você viu?
- ai, minhas pernas.
- não, foi o que disseram ali.
- ai, minhas pernas estão doendo.
- apôs só diga uma coisa quando puder provar.
- e a cabeça dói?
- mas é o que todos estão dizendo.
- não, é só nas pernas.
- diga um, só um que disse.
- abanem as pernas do cara.
- sei não, só sei que é o que tão dizendo por aí.
- cuidado, homi, não pegue aí não. Aí dói.
- você sabe de nada, vá procurar o que fazer homi, que é muito melhor.
- ei, cuidado não empurrarem aí atrás, se não vão acabar pisando o rapaz no chão.
- vou logo sair daqui.
- é saia mesmo.

Enquanto isso.
- vamos botar ele no meu carro que eu levo.
- não, ele só sai daqui na ambulância.
- que conversa é essa, vai deixar o rapaz morrer aqui, é?
- nã, ele não morre não.
- tudo bem, você é o responsável, caso aconteça algo de mau a ele.
- de novo, porque de mau já aconteceu,
- to me referindo a caso de morte.
- homi vai azarar outro.
- deixe eu levar, a ambulância esta na zona rural, entregando feira, fazendo campanha do seu prefeito,
- você prova?
- sim, tem isso também de provar, va ver.
- homi va procurar o que fazer.
- va você, seu babão.
Enquanto isso, o rapaz continua ali, deitado no chão, reclamando das dores nas pernas.
- homi, minhas pernas estão doendo muito.
- babão é você, boca pôde.
- abanem minhas pernas.
- sai daqui babão sem valor.
- e tu, doido por um emprego de babão. Sai daqui sanguessuga.
- é do joelho pra baixo, acho que quebrou.
- vai procurar o que fazer bafo de peido.
Eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeh,
Chega a ambulância.
- se afastem todos, por favor.
- aí é que é prefeito.
- aaaah, meia hora depois, se fosse em Mossoró era na hora.
- deixe de ser idiota otário, passou só dez minutos, e se fosse em Mossoró era no mínimo meia hora, eu digo por que já vi.
- você sabe de nada.
- não e você é muito esperto, trocou o certo pelo duvidoso.
- e daí, o que você tem haver com isso.
- eu não tenho nada, o burro não é eu!
- vamos ver depois do dia cinco de outubro.
- vamos.
- saiam do meio, pra ambulância passar.







Prof. Ronaldo Josino

A morte de Amadeu


A morte de Amadeu

Entra um rapaz no ônibus, muito espantado, respirando fundo, como se tivesse visto alma e diz para o primeiro que se encontra sentado na poltrona:

-- Rapaz, houve um acidente de carro ali, na Avenida Alberto Maranhão e morreu um pedestre de Grossos.

-- Que é isso homem, quem era?

-- Rapaz sei não, mas ele tinha cabelos grisalhos, mais ou menos, um metro e sessenta e, pelo que mim disseram, ele trabalhava na prefeitura.

Em poucos minutos, no ônibus que já se dirigia à Grossos, era só o que se comentava. Em duas poltronas, duas senhoras glosavam com muito pesar:

-- Pobre coitado, talvez tenha vindo a Mossoró só resolver um problema e talvez mulher, nem tenha resolvido. E a família, quando souber, hem?

-- Né não mulher. Coitados, ficam aguardando ele chegar e quando chegar é num caixão.

A segunda puxa um lenço do bolso, levanta o óculo e limpa uma lágrima que rolou. A outra imita o gesto, talvez por cumplicidade.

Todos do ônibus estão comovidos, faz-se um silencio, o que se ouve são apenas o som dos pneus do veículo e o do vento sendo cortado pelos vidros das janelas, talvez cada um esteja imaginando na pergunta que esta no ar, na pergunta nevrálgica. Quem é que morreu afinal?

De repente um senhor sentado no banco de traz do ônibus exclama em voz alta:

-- Hei, espere um pouco, a pessoa de cabelos grisalhos, mais ou menos um metro e sessenta, que é funcionário da prefeitura, veio conosco e não esta aqui, é; fez um suspense enquanto todos lhe dirigiam os olhares; AMADEU!

Uma moça no banco da frente, de imediato toma um susto e cai numa choradeira de dá pena:

-- Não, não, papai não, por favor meu Deus, meu pai não...!

Alguns tentaram logo acalenta-la, um senhor sentado ao lado na outra fila, bebendo uma água mineral, cuida logo de oferecê-la um copo, enquanto que outros já se aproximam para dar suas respectivas condolências.

O ônibus segue sua trajetória como faz todo santo dia, com exceção dos domingos. Em seu interior, não se ouve palavra alguma, só os soluços de umas quatro senhoras ao redor da jovem que já se encontrava nesse momento mais tranqüila, pois já lhe tinham dado um calmante. Cá pra nós, não sei de onde tiraram este comprimido tão rápido, mas também compreendo que nessas horas de aflição, as coisas difíceis são as mais fáceis.

Aproximadamente 12h00min, hora em que o ônibus vai chegando ao término de sua escala, onde não tem parada fixa, pára toda vez que passa em frente à casa de algum passageiro, estes por sua vez, ao passar pela jovem, mais uma vez dão-lhes seus pêsames, a jovem já dopada, aperta as mãos e os passageiros descem.

Lá traz, dois senhores comentam:

-- Quando será o enterro, hem?

-- Acho que ainda hoje, pois morreu agora de manhã,

-- É mesmo, talvez lá pras três ou quatro horas da tarde, você vai?

-- Vou, Amadeu era um bom homem, um cara legal, sempre via ele ali pela prefeitura.

-- Ele trabalhava em que mesmo, hem?

-- Sei não, só sei que era na prefeitura...

O ônibus vai de cidade adentro, passa pela igreja e pára, desce uns dois e segue.

A cidade está um pouco agitada, os poucos passageiros que ainda restam no ônibus logo concluem que todo mundo já sabe. Mais uma parada, em frente ao “sacolão”, enquanto desce um passageiro, outro que está na janela, ouve a conversa de dois garotos ao lado do ônibus:

-- Vamos jogar bola André? Aproveitar que hoje não tem aula.

-- Vamos. Mas quem primeiro forma a barra é eu, a bola é minha.

Ao ouvir essa conversa, ele conclui:

-- Garotos arrogantes, sem educação, nem respeitam mais uma pessoa que morre, as escolas liberam para irem ao enterro e em vez disso, vão é jogar bola. Quero saber o que eles vão fazer todo santo dia nos colégios, eu lá confio mais nessas escolas de hoje em dia!

Um outro senhor na poltrona à frente deste comenta:

-- É assim mesmo, fazer o que? São os dias de hoje, no meu tempo não era assim não, não mesmo.

Pedro Maia, passando no carro de som, anuncia:

-- É hoje, neste sábado, matinê com Tony Dilmar no bar Antonio de Massa, na comunidade da Valência, imperdível.

O ônibus da a partida e segue, agora vai passando em frente ao bar Hollyood, quando um rapaz muito espantado sentado em uma das poltronas do meio, põe a cabeça pra fora da janela e quase gritando diz:

-- Olha lá, no bar, Amadeu tomando cerveja!

Mais tarde, já em casa, uma das passageiras houve uma notícia no rádio, no mínimo interessante:

-- Morreu hoje, logo cedo, vitima de atropelamento, um cidadão que ainda não foi identificado, sabe-se apenas que tinha um metro e sessenta, cãs grisalhos, de meia idade e era da cidade de Caraúbas. No que ela reclama:

-- Por favor, alguém desligue esse rádio, pelo amor de Deus, estou morrendo de dor de cabeça. Seu pai então conclui:

-- Deve esta passando o efeito dos tranqüilizantes que você tomou.

Uma coisa deve-se tomar como lição nessa historia toda; nunca devemos tirar conclusões precipitadas com nada que ouvimos ou vemos. Tem um ditado que diz assim: devemos sempre duvidar do que vemos e nunca acreditar fielmente no que ouvimos.


Prof. Ronaldo Josino

on domingo, 14 de junho de 2009


Entrada do ano 2008