Os sem terra

on quinta-feira, 25 de junho de 2009

Notem senhores o que acontece quando uma brincadeira das mais inocentes possíveis pode terminar como um grande mal entendido e este chegar a virar caso de polícia.
Aconteceu na Avenida Terezinha Pereira, mas antes de contar o caso, quero explicar os pormenores do ambiente em que este ocorreu, para que o leitor de todas as partes tenha uma visão clara da região, assim como os nativos de nossa cidade. Esta rua é composta por casas de um só lado da rua, o lado da sombra, o outro lado, o lado do sol, é inviável a construção de qualquer tipo de imóvel, já que se trata de uma várzea de aproximadamente 10 a 20 metros de largura enquanto seu comprimento segue toda a extensão dos cercos onde se acumula água salgada para os “baldes” de salinas e antes do cerco ainda existe uma levada que serve de afogador para os próprios “baldes” e a cidade. Além de o solo ser muito salgado por se tratar de lama onde em épocas passadas era tudo manguezal, se perfurar 20 cm neste solo, terá água salobra, outro detalhe é que em apenas um trecho da várzea chega à largura máxima citada acima, os outros vai diminuindo de maneira que em alguns lugares esta largura não chega a dois metros. Para completar a inviabilidade de construção, em alguns trechos da várzea ainda está alagada com água salgada, sem falar que quando chove alaga toda a vargem, transformando num verdadeiro lamaçal.
O caso foi que meu vizinho num certo domingo, com outros três amigos, num desses finais de semana prolongado de muita bebida e churrasco, resolveu fazer uma barraca em frente a sua casa para por a churrasqueira, como não podia fazer a barraca no meio da rua, claro, fez em frente a sua casa, porém na vargem, junto a um poste ali em frente. Três buracos, três estacas, quatro varas como se fosse os caibos, barbante e cordão de rede, algumas palhas ainda verde de coqueiro e pronto a barraca estava pronta.
A churrasqueira estava assando as preciosas costelinhas e alguns espetinhos feitos de lingüiça enquanto os quatro ali ao redor da churrasqueira e embaixo da barraca batiam um papo quando passa um senhor de bicicleta:
- E o que é? já tão fazendo casa na vargem?
Meu vizinho ironizou e respondeu na forma de brincadeira:
- jaaa, o prefeito liberou, quem quiser pegar um pedaço de terra é só marcar.
- Ah é? Ta certo!
O senhor de meia idade passou, olhando para trás e para a vargem, enquanto eles continuaram ali com o churrasco sem dar a mínima importância para a brincadeira. Ficaram até ao meio dia, terminado o churrasco meu vizinho foi descansar, pois no dia seguinte iria trabalhar bem cedo. Às quatro horas da tarde ainda do domingo meu vizinho levanta-se e sai pra ver como está à rua, como todos nós fazemos quando estamos em casa, nisso ele toma um susto, a vargem estava tomada por gente, ele sem saber do que se tratava, foi logo perguntando:
- O que é que esta acontecendo aí, em?
- Foi o prefeito que liberou a vargem, ele disse que quem pegar um pedaço de terra a prefeitura vai doar o material da casa.
Meu vizinho lembrou da barraca e da brincadeira dita ao senhor e não comentou mais nada, entrou pra dentro de casa e fechou a porta.
Na segunda feira bem cedo, a várzea estava tomada por paus, busca de coco, catemba, tonel velho, resto de concreto, resto de tijolos, sacos amarrados nas pontas das varas, enfim, a várzea de um dia para o outro, virou um verdadeiro lixão.
Todos os terrenos estavam sendo medidos a olho, aliás, a passadas, sete passos, 6 metros.
Aqui bem próximo de casa estavam dois sem terras medindo seus respectivos lotes:
- Viche, miudim os passos dele, meça o meu pedaço também!
Um pouco a frente estava outros:
- Ei você ai, só pode pegar 6 metros.
- Cê besta, esse é da minha irmã.
- Ah é assim, então vou pegar o da minha tia!
E lá ia medir outro lote.
- Ei esse pedaço ai não menino, esse pedaço aí é meu.
- Então marque, ora!
- Marco já, já. Estou esperando uma carroça de varas que mandei o menino tirar lá na Serra.
Em frente à casa de Zé Wilson estava um cidadão que mais parecia um guarda de transito, em pé, no meio da vargem.
- Esta fazendo o que aí seu Noel, feito uma estátua? Alguém perguntou.
- Pastorando meu pedaço enquanto os meninos vêm com uns galhos de mangue para marca esse lote.
Vejam só, até o mangue saiu prejudicado com essa brincadeira.
Enquanto isso um senhor que tinha pegado um pedaço ali em frente ao bar do Canindé, não perdeu tempo, após cercá-lo com alguns pedaços de tocos e restos de arames farpados muito enferrujados, colocou uma placa de papelão com o anuncio feito à giz:
VENDE–SE ESTE TERRENO.
Já em outro lugar estava uma senhora danada, parecia um “ciri numa lata”, reclamando das pessoas que estavam tirando as varas da sua cerca para levarem para a vargem:
- É só o que esta faltando mesmo, esses desocupados estão acabando com minha cerca, vou já é da parte!
As pessoas já começavam a se reunir para escolherem um representante para ir falar com o prefeito sobre os materiais da construção.
- E aí, quem é que vai avisar o prefeito que já esta tudo dividido?
- Sei não, mas ouvir dizer que ele vai fazer as casas em forma de mutirão!
- É mesmo é. Talvez ele deva começar lá pelo início da vargem!
Em outra parte dois senhores já estavam discutindo sobre seus respectivos projetos:
- Hei, quando é que vai começar a chegar a areia pra fazer o piso? Na minha só quero se for areia da boa, menino aqui vai levar areia, viu! Quando chegar à minha vez vou fazer-la bem alta, vou fazer com 14 fiadas de tijolos, quero nem saber!
- Assim que levantar a minha casa vou logo plantar dois pé de planta pra fazer sombra, qual é a planta que se pode plantar nesse terreno, em?
- Rapaz que eu saiba, aqui só dar mangue mesmo!
- Algaroba também da.
- Ah é.
Um senhor que pegou um lote nas mediações da Ticaca, aparentemente estava com um problema, mas já encontrara a solução.
- Viche, se começar lá pela rua de baixo vai demorar muito pra chegar na minha, acho que vou falar com o prefeito pra mim dar uma ordem do material que eu mesmo pego lá em Jorge e construo a minha.
Na segunda feira à tarde todo mundo estava animado falando de seus projetos quando chega o dono do terreno acompanhado do delegado da cidade com uma ordem, só que uma ordem de despejo:
- Todo mundo, prestem atenção; quem marcou esses terrenos façam o favor de agora mesmo tirarem os entulhos, um por um, e eu quero saber também quem inventou essa história que o prefeito autorizou a posse da vargem que eu quero dar-lhe um “chá” de cadeia no maldito!
Todos de cabeça baixa em silencio foram, um a um, tirando seus respectivos entulhos. Quanto a barraca, que permanecia intocável, o delegado questionou em voz alta:
- E essa barraca? Quem construiu essa barraca?
Meu vizinho que até então em silêncio prestava atenção ao desenrolar de todo processo de posse e desaposse respondeu com muita segurança e convicção;
- Não faço a menor idéia!
Então o delegado decretou:
- Derrubem essa barraca e ponha os destroços na caçamba pra ir pro lixão.
Meu vizinho após bater palmas disse para o delegado:
- Muito bem, é assim que se faz.
Na retirada do lixo da vargem, todos estavam indignados com aquela situação e entre os questionamentos e explicações o que mais se ouvia dos ex-proprietários das terras, era:
- Ah se eu pego o infeliz que inventou essa palhaçada!

Prof. Ronaldo Josino

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